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    Para o nacionalista
    Bresser, resistência à Alca é "irracional" 
    ANDRÉ SINGER 
    DA REPORTAGEM LOCAL 
    
      
        Folha
        de S.Paulo, 16.4.2001 
       
     
     Quase dois anos
    depois de sair do governo, o ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira reconhece que a
    sobrevalorização cambial praticada entre 1994 e 1999 "foi um erro grave", que
    causou "um enorme prejuízo para a indústria brasileira e para a economia brasileira
    de modo geral". De acordo com Bresser, José Serra, Pérsio Árida e ele próprio
    perceberam a gravidade do problema desde o início do mandato de Fernando Henrique
    Cardoso, em 1995. "Falei com o presidente muitas vezes sobre o assunto", diz. 
    Diante da hipótese de que tenha faltado ao presidente coragem para mudar, Bresser adota
    uma saída diplomática. "Prefiro não entrar em julgamentos morais." 
     No entanto, o ex-auxiliar de FHC não poupa críticas à área
    econômica do governo. Acha que há um "elemento liberal" no Ministério da
    Fazenda, o que dificulta a tomada decisões mais favoráveis aos interesses nacionais. 
     Defende que o PSDB realize prévias para definir o candidato
    à Presidência em 2002, de modo que ocorra uma forte discussão programática. Faz
    elogios a Serra, hoje ministro da Saúde. Mas, questionado sobre o apoio a sua
    candidatura, diz que ainda quer esperar para tomar uma decisão. 
     Responsável pela reforma administrativa realizada no primeiro
    mandato de FHC, o advogado, administrador e economista Bresser Pereira, hoje com 66 anos,
    dedica-se em tempo integral a projetos acadêmicos, nos quais busca consolidar o que chama
    de ideologia social-liberal. Trata-se de um ponto intermediário entre o neoliberalismo,
    que ele prefere denominar ultraliberalismo, e o que rotula de "o velho
    estatismo". 
     Depois de passar seis meses na Universidade de Oxford,
    Inglaterra, onde aprofundou os estudos políticos, área que lhe interessa cada vez mais,
    Bresser está em plena forma. Nada 800 metros sem parar, todos os dias, e depois assume
    uma agenda pesada de cursos, conferências e atividade editorial. 
     No segundo semestre, ministrará um curso de pós-graduação
    em teoria da democracia no Departamento de Ciência Política da Universidade de São
    Paulo. "Concluí que não existe convergência entre os países em desenvolvimento e
    os desenvolvidos por deficiências na governança democrática dos primeiros", diz
    Bresser. 
    Em outras palavras, as dificuldades para suscitar um crescimento sustentado nas nações
    pobres devem ser procuradas nas formas de tomar decisões e não na economia em si. 
     A economia, contudo, não está abandonada na pauta de
    Bresser. Além dos cursos regulares na Fundação Getúlio Vargas, ele dirige a
    "Revista de Economia Política" e promete editar, até o fim do ano, um volume
    de ensaios em homenagem a Celso Furtado. 
     Bresser conversou com a Folha na semana passada, em amplo e
    iluminado escritório que mantém no Morumbi, zona sul de São Paulo. A seguir, os
    principais trechos da entrevista. 
    
    Folha - Em ensaio publicado alguns meses atrás o sr. defende uma posição
    nacionalista. Para alguém que, como ministro da Fazenda [do governo Sarney, em
    1987", iniciou a abertura comercial, e que, como ministro da Administração
    [1995-98", reduziu o tamanho do Estado, tal postura é surpreendente. Poderia
    explicá-la? 
    Luiz Carlos Bresser Pereira - A surpresa só pode decorrer de um pensamento
    linear. Sou nacionalista, como aliás todos os americanos, franceses e ingleses que
    conheço. Não passa pela cabeça deles que não seja função do governo defender o
    trabalho e o capital nacionais. Aqui no Brasil é que existe muita gente das elites que
    acha que não é função do governo defender os interesses nacionais. 
     Quando defendi a abertura comercial, eu o fiz porque acho que
    é interesse nacional do Brasil ter um país mais aberto. Temos vantagens no comércio
    internacional, muito mais do que desvantagens. Quem está preocupado em se defender é a
    Europa, muitas vezes os EUA, e o Japão. 
     Quando fiz a reforma gerencial do Estado, no governo FHC, o
    fiz porque achava que era do interesse nacional do Brasil não ter um Estado inchado e com
    funções que não lhe são próprias. 
     Mas, quando nós não temos uma política ativa no sentido de
    defender o trabalho e o capital brasileiros, estamos completamente equivocados. Quando
    deixamos o câmbio valorizar-se e com isso prejudicamos as empresas nacionais e a
    indústria, foi uma política antinacional. Quando não fazemos a reforma tributária e
    não aumentamos a nossa competitividade, estamos agindo antinacionalmente. Quando não
    temos uma atitude mais ativa em participar da Alca, em vez de ficar numa resistência
    irracional, nós não estamos defendendo os interesses nacionais. 
     
    Folha - No entanto, a abertura comercial produziu uma desnacionalização da
    indústria, não? 
    Bresser - A profunda desnacionalização da indústria não se deve em absoluto à
    abertura comercial. Ela se deveu à valorização do câmbio em 1994, que foi mantida, de
    forma equivocada, até 1998. Só desvalorizamos em janeiro de 1999. Esses quatro anos de
    atraso causaram um enorme prejuízo para a indústria brasileira e para a economia de modo
    geral. 
     
    Folha - Por isso o sr. qualifica a valorização do câmbio de "política
    antinacional"? 
    Bresser - Sem dúvida. Foi um erro grave. Melhor chamar desse jeito, porque não
    foi feita de propósito. Foi uma atitude passiva de não mexer no câmbio e que nos trouxe
    esse prejuízo. 
    Quando eu era membro do Conselho Econômico da Fiesp, entre 1992 e 1994, dizia aos
    empresários industriais que protestavam contra a abertura comercial: vocês estão
    equivocados, a abertura é fundamental, mas precavenham-se, porque vem a estabilização e
    poderá haver a valorização cambial, como ocorreu no México e na Argentina. Isso é um
    desastre para o Brasil. 
     Como os industriais estavam brigando contra a abertura, o que
    era uma tolice, eles ficaram fracos para lutar contra a valorização. Nos países em
    desenvolvimento, quando houver alguma dúvida, você deve optar pelo câmbio
    desvalorizado. Em dúvida, pró réu. 
     
    Folha - Mas, no período da sobrevalorização, o sr. estava no governo... 
    Bresser - Dentro do governo, eu, que estava fora da equipe econômica, e o José
    Serra, que estava dentro da equipe econômica, e o Pérsio Árida, que também estava nos
    primeiros meses, percebemos esse fato. Eu falei com o presidente muitas vezes sobre o
    assunto. 
     
    Folha - Por que se persistiu no erro? 
    Bresser - Desvalorização cambial é uma decisão sempre difícil de ser tomada.
    A tendência é a inércia. Veja o que está acontecendo com a Argentina. Veja o que
    aconteceu com o México anteriormente, no governo Salinas. Quando você desvaloriza, não
    só existe o risco da inflação como existe a certeza de que todos os patrimônios e
    rendas em dólares diminuem. Ninguém gosta disso. Isso não é popular. 
     Mas temos mantido o Brasil com taxas de juros incrivelmente
    altas porque temos um câmbio que ainda continua relativamente valorizado. Nos últimos
    três meses houve uma desvalorização adicional, que aconteceu por acaso, em função da
    crise argentina. São males que vêm para bem. 
     
    Folha - Faltou coragem ao presidente da República para mudar? 
    Bresser - Prefiro não fazer julgamentos morais. O presidente da República é meu
    amigo. É um homem da melhor qualidade e tem feito um bom governo. Minhas críticas ao seu
    governo estão fundamentalmente na área econômica. Estão relacionadas ao câmbio, à
    reforma tributária e à falta de uma política ativa de defesa da empresa nacional. 
     
    Folha - Mas o sr. defende as privatizações? 
    Bresser - Sempre fui um defensor da privatização. Agora estou contra a
    privatização das empresas hidrelétricas de produção. 
     
    Folha - Por quê? 
    Bresser - Sou contra a privatização de Furnas e da Copel e acho que vamos ter um
    problema sério nas privatizações que já ocorreram. 
     
    Folha - No setor elétrico? 
    Bresser - Sou 100% a favor de todas as outras. Mas, no setor elétrico, não se
    trata apenas de um monopólio natural. O problema é que no Centro-Sul a capacidade de
    produção de energia elétrica por meio de hidrelétricas esgotou-se. De forma que a
    produção adicional terá de vir de termelétricas. Elas têm um custo de produção
    substancialmente mais caro, e o preço nacional vai ser determinado por elas. Quando o
    preço subir, vai haver um lucro monumental por parte das empresas hidrelétricas. Em
    linguagem econômica, isso se chama "renda monopolista". Essa renda só pode
    ficar com o Estado, não pode ser entregue ao setor privado. Tem de ficar com o Estado,
    até para ele poder subsidiar a transição para os preços mais altos. Não faz sentido
    os que compraram a Cesp de repente terem lucros monumentais porque os preços tiveram de
    ser aumentados. E ninguém vai me dizer que no preço da privatização já foi
    incorporado o lucro que eles vão ter. Não é verdade. 
     
    Folha - No caso do Banespa, o sr. se pronunciou contra a venda a estrangeiros.
    Por quê? 
    Bresser - Há setores, como os bancos de varejo, que criam moeda e não podem ir
    à falência, devem ser controlados pelo capital nacional. Os grandes países
    desenvolvidos têm esses bancos controlados nacionalmente. 
     
    Folha - Eles são estratégicos? 
    Bresser - Eles são bancos quase públicos. Sabem que estão realizando uma tarefa
    que é quase pública. Eu não acho que isso deve ser transferido para estrangeiros. 
     
    Folha - O mesmo raciocínio não se aplica às telecomunicações? 
    Bresser - Aí o Estado tem suficiente poder regulatório para garantir a sua
    política sem risco. 
     
    Folha - Ao abrir a economia, o Brasil obteve a contrapartida em abertura nos
    países desenvolvidos? 
    Bresser - Não. Mas nem toda abertura comercial se faz na base da barganha. A
    redução de nossa tarifa média de 45% para 15% era necessária e devia ser feita
    unilateralmente. Graças a ela é que nossa indústria aumentou sua produtividade de
    maneira extraordinária e hoje é uma indústria internacionalmente competitiva. 
    Além disso, o nacionalismo moderno é defender o interesse nacional negociando. Enquanto
    nós resistimos à Alca, o México entrou no Nafta e sua economia está crescendo de
    maneira rápida. As exportações deles estão explodindo, enquanto nós temos um sério
    déficit em conta corrente. 
     O Itamaraty preferiu, de maneira equivocada, tentar um acordo
    com a União Européia. Pois bem, o México, depois de entrar no Nafta, fechou um acordo
    com a UE e hoje tem uma situação preferencial em relação ao Brasil. 
     
    Folha - O sr. não acha que o preço pago pelo México é não ter autonomia para
    realizar política econômica autônoma? 
    Bresser - Não. É exagero. Quem está sem política autônoma é a Argentina, que
    está sem moeda. O México continua tendo a sua moeda. O fato de ter 80% das suas
    exportações para os EUA gera uma relação de interdependência. Acho isso aceitável. O
    problema é saber se o governo é capaz de promover o desenvolvimento da economia mexicana
    e a distribuição de renda. O Nafta tem sido um instrumento de desenvolvimento muito
    positivo. 
     Há seis meses, participei de uma conferência nos EUA. Havia
    dois economistas mexicanos. Eles estavam muito meus amigos, exceto no último dia, quando
    eu disse a eles que achava que o Brasil precisava entrar na Alca. Um fechou a cara. O
    outro riu e disse: "Espera um pouco, Luiz Carlos, espera a gente tirar todas as
    vantagens, aí vocês entram". 
     
    Folha - O sr. aceitaria submeter a entrada do Brasil na Alca a um plebiscito? 
    Bresser - Até se pode. O Brasil não está acostumado à idéia de plebiscito.
    Não me parece um assunto muito próprio para plebiscito, mas pode ser. 
     
    Folha - Os europeus colocaram a adesão ao Tratado de Maastricht... 
    Bresser - Mas aí foi um acordo para acabar com a moeda local. O nosso caso é
    muito mais modesto. Estamos simplesmente fazendo um acordo de livre-comércio. Não é nem
    uma união aduaneira, como temos no Mercosul. 
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